Chovia muito forte naquela hora, ela corria de algo que a perturbava, moletom encharcado e ela não parava de correr, os carros passavam por ela a toda velocidade, mas ela continuava correndo na direção contrária a eles.
Enquanto isso, do outro lado de algum lugar eu tomava minha taça de vinho, no frio era impossível beber cerveja, meu corpo não aceitava. Eu estava na quarta garrafa e no segundo maço de cigarros, a casa fedia a tabaco. Eu estava largada no sofá tentando afastar ela do pensamento.
Ela esteve lá, mas tivemos a nossa última briga, ela simplesmente saiu correndo no frio e na chuva, eu pensei em ir atrás, mas já estava levemente alcoolizada quando aconteceu, não conseguia nem acertar o buraco da fechadura, o que dirá correr.
Ela continua correndo, como se quisesse morrer, mas não tivesse coragem de tirar sua vida, esperava que alguém a fizesse de algum modo, as lágrimas se misturavam com a chuva que molhava seu rosto.
Caí no sono de embriaguez, no sonho ela só dizia adeus e uma luz branca ofuscava tudo e ela sumia. Acordei desesperada, peguei o celular e comecei a ligar para ela, ela não atendia, liguei na casa dela, ninguém sabia onde ela estava, pensavam que estava comigo, quando disse que não o telefone foi desligado na minha cara, eu queria ir atrás dela, mas tudo rodava, eu não parava em pé sem apoiar. Caí na cama novamente e apaguei.
Ela correu até encontrar a morte, um carro que vinha na outra mão perdeu o controle e atravessou as pistas, acertando ela e jogando-a bem longe, ela foi socorrida com vida ainda. Acordei com o telefone tocando incessantemente, atendi e ouvi que eu a tinha matado, de certo modo sim, ela só fez aquilo porque brigamos.
Cheguei ao hospital, me deparei com a família dela, não me deixaram entrar, na verdade não tinha mais nada pra ver ali, estavam esperando o médico legista, sim ela se foi, eu sabia que poderia ter evitado, mas eu preferi a embriaguez.
De longe eu vi todo o funeral, todo o desespero causado por uma briga de casal, na minha mente a cena do que deve ter acontecido naquela estrada aparecia como flashs reais, eu a via chorando e molhada a cada canto que desviava o olhar. Ela se tornou meu fantasma.
Hoje enquanto escrevo isso não está sendo diferente, meu apartamento continua a feder tabaco, as garrafas de acumulam e ela esta aqui molhada me observando escrever, pelo chão existem milhares de lembranças nossas que estou tentando afogar junto com a saudade, mas cada uma que tento jogar fora é uma nova lembrança dela que vem junto, novos flashs para confundir.